quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sinopses dos filmes e Programas (Programadora Brasil)

Filme de estréia
Ibiri: tua boca fala por nós

Num mundo onde as barreiras culturais há muito tempo foram rompidas, seis irmãs quase centenárias preservam involuntariamente hábitos hoje praticamente contados apenas nos livros de história. Na área rural de Iguaba Grande, município da Região dos Lagos a 123 quilômetros do Rio de Janeiro, Georgina, Sigislene, Hermanda, Maria, Hilda e Luiza da Conceição seguem a vida de acordo com tradições herdadas de seus ascendentes do Congo escravizados no século XIX. Elas são remanescentes do quilombo de Papicu, já extinto. Fechadas em seu próprio mundo, as “irmãs congas”, como são conhecidas, se comunicam por meio de um dialeto próprio, onde palavras em português dão lugar a expressões bantu.

Na contramão do estranhamento provocado na maioria da população local, as congas despertaram a curiosidade de Nilma Teixeira e viraram tema de um documentário patrocinado pela Petrobras. Nilma, que passava seus verões em Iguaba, admitiu sempre ter tido uma forte curiosidade sobre elas quando era criança.
- Lembro delas desde que tinha dez anos. Elas eram adultas e andavam pela cidade vendendo guando – recorda a idealizadora do documentário “Ibiri: tua boca fala por nós”, que deve ser exibido no final deste mês.
(O Globo Online)

O documentário retrata a história de seis irmãs descendentes de escravos e moradoras de Iguaba Grande (RJ). A luta por um pedaço de terra marca a trajetória das irmãs Georgina, Hermanda, Sigislete, Hilda, Maria e Luíza Conceição da Silva até hoje. Expulsas de sua casa no passado, atualmente elas vivem isoladas, marcadas por fato tão traumático. Na rua, não conversam com ninguém.

Para a produção do documentário, a falta de comunicação foi a primeira dificuldade encontrada pela diretora. As irmãs não queriam contar sua história, e diziam sempre para Nilma quando ela tentava convence-las: "Tua boca fala por nós". Depois de muitas idas e vindas, finalmente a diretora acabou convencendo as irmãs a falar, mas somente com as seguintes condições: elas não falarem sobre a expulsão de suas terras e não serem chamadas de "congas" (nome pelo qual elas são conhecidas na cidade por causa do pai, descendente de escravos do Congo). Segundo Nilma, elas ouviram falar na TV que congas são macacos, e não queriam ser comparadas a esses animais.

Foram quatro dias de gravação. O primeiro contato não foi muito amistoso. As irmãs se assustaram com os microfones e câmeras, e Nilma teve que explicar a função de cada elemento para elas se acalmarem. "Eu tive que dizer que, se afastássemos o microfone, não teríamos como ouvir as vozes delas. Aos poucos, elas foram se acostumando, e contribuíram para o sucesso das gravações".

As gravações foram realizadas, principalmente, na casa das irmãs. Os depoimentos de conhecidos e pessoas que as ajudaram foram gravados em outras locações, como o sítio onde tem a casa de Farinha, local onde elas faziam o alimento que vendiam na época. Hoje comercializam apenas ovos, acerola e urucum. Neste local, uma antiga amiga das irmãs, Dona Luiza, faz um relato sobre elas. Elas perderam o contato há algum tempo.

O vídeo conta com outros depoimentos, como o de Dona Regina, antiga vizinha das irmãs, Dona Edite, Sr. José e Sr. Clecildo. Um outro relato importante é de uma das sobrinhas das irmãs, que narra o momento em que as sete foram expulsas da fazenda onde moravam, já que elas não quiseram falar sobre o assunto.

O vídeo é um documentário e vai utilizar elementos da ficção para ilustrar cenas que aconteceram quando as irmãs eram um pouco mais novas. Vitória Cristina Toledo Nunes, de sete anos, vai representar Nilma. A menina aparecerá em uma cena que retrata o dia em que a diretora viu as irmãs pela primeira vez.

A gravação do vídeo chamou a atenção dos moradores da cidade. A injustiça que aconteceu com as irmãs no passado revolta muitas pessoas ainda hoje. "Muita gente, durante a gravação, vinha falar comigo do sofrimento daquelas mulheres, que quem tirou delas a posse de suas terras deveria pagar pelo que fez", afirma Nilma.

A trilha sonora do filme terá a música "Brasis", do Seu Jorge. O músico já autorizou a utilização da canção no vídeo. Os jovens João Gabriel e Pedro Cortês, moradores da cidade, vão interpretar a música.



Programa 21
Animações para Adultos

Classificação
16 anos

Este programa é fruto do desenvolvimento do mercado de animação no país na última década, que supriu algumas demandas temáticas e diversificou a produção profissional. O interesse do público adulto pelo gênero, suscitado inicialmente por trabalhos estrangeiros exibidos nas salas de cinema e televisão, chega agora também à produção nacional. A seleção é composta por títulos premiados no circuito de festivais e com expressiva exibição pela internet.

Filmes do Programa 21

Desirella
Carlos Eduardo Nogueira , SP, 2004

Deu no Jornal
Yanko del Pino , DF, 2005

Engolervilha
Marão, RJ, 2003

O2 Conjunto Residencial
Adams Carvalho , SP, 2005

Onde Andará Petrúcio Felker
Allan Sieber , PR, 2001

Pax
Paulo Munhoz , PR, 2005
Tempo total aproximado do programa: 53 minutos.


Crítica

Animação de e para gente grande.
Fernando Veríssimo

Há muito pouco em comum entre os filmes reunidos nesta coletânea além da constatação mais óbvia de que são animações – são todas reconhecidas no Brasil e no exterior, de qualidade atestada pela longa lista de prêmios e participações em festivais acumulados por cada uma delas.

Craques como Marão e Allan Sieber dividem espaço com novos talentos, alguns fresquinhos, ainda soltando cheiro de tinta, recém-saídos da universidade. O disco apresenta também, no conjunto, um apanhado das mais diversas técnicas, que vão do tradicional claymation (animação com bonecos de massinha do paraense Pax) à animação digital (caso do conto de fadas moderno Desirella), passando pelo exuberante 2D de Engolervilha, e ainda por técnicas mais experimentais, como as de 02. Conjunto Residencial e de Deu no Jornal.

Talvez o espectador desavisado encontre lá certa dificuldade para digerir as ervilhas deste caldo – o tempero é forte, e o humor (quando há) é em geral um tanto peculiar. Há um bocado de grotesco, um punhado de escatologia (obrigatória), e uma pitada de pimenta (das boas). De modo que não é demais repetir o alerta: esta é uma coletânea de animações para adultos – o que não significa, é bom dizer, pura sacanagem; mas, antes, que os temas destes curtas, tão característicos e tradicionais na animação nacional, são “muito insólitos” – como já andaram afirmando por aí.

Assim, não vale fingir surpresa ao se deparar com episódios de violência, suicídios, perversidade, e com um tom geral de humor negro e sarcasmo, às vezes feroz, que habitam estes filmes. Não vale levantar expectativas falsas, e, se alguém espera encontrar bichinhos fofos e alegres cantando e dançando a floresta, melhor procurar em outros lugares. O buraco aqui é mais embaixo.

As batalhas muito particulares do cinema de animação brasileiro não são muito diferentes das outras que o cinema nacional enfrenta. Os curtas reunidos neste programa desfilam idéias e grandes talentos – que, na falta de oportunidades, buscam refúgio na liberdade, na criatividade, e numa fortíssima tendência autoral. A aura combativa que emana deles não existe por acidente: é legítimo cinema guerrilheiro.




Programa 22
Bastidores do Teatro

Classificação
Livre

Um importante percurso didático pelas diversas faces da arte teatral. Das primeiras etapas de preparação de uma montagem (escolha do texto, leitura e ensaio) à estréia de um espetáculo, passando pelas peculiaridades arquitetônicas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e pelos fundamentos do gênero. O programa trata ainda de aspectos históricos como a fundação de companhias como o Teatro Brasileiro de Comédia e o Teatro de Arena, além de assinalar a dramaturgia e os novos métodos de produção do teatro brasileiro moderno.

Filmes do Programa 22

A Face e a Máscara
Vicente Marques , RJ, 1974
A Linguagem do Teatro
João Betencourt , RJ, 1966
Teatro Brasileiro: Novas Tendências
Olney São Paulo , RJ, 1975
Teatro Brasileiro: Origem e Mudança
Olney São Paulo , RJ, 1964
Teatro Municipal
Ruy Santos , RJ, 1974
Tempo total aproximado do programa: 66 minutos.

Crítica

Bastidores do Teatro.
Fernando Veríssimo

Este programa traz uma série de cinco curtas-metragens produzidos pelo Departamento do Filme Educativo (DFE), órgão do Instituto Nacional do Cinema (INC), subordinado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). Trata-se, portanto, de uma sessão de filmetes educativos, um gênero que tem longa trajetória no cinema brasileiro, e que contou com talento muitos ao longo da sua história, dos quais o mais importante, sem dúvida alguma, é Humberto Mauro (que dirigiu mais de duas centenas de curtas didáticos, após assumir a chefia da seção técnica do INCE, órgão que antecedeu a criação do INC).

O primeiro filme apresentado no programa. A Linguagem do Teatro, dirigido por João Bethencourt, é um registro dos preparativos da montagem de 1966 de A Mulher de Todos nós, adaptação de Millôr Fernandes para a peça de Henri Becque. Mais para o documentário que para o filme educativo – o texto da narração de Jorge Dória parece forçado no didatismo -, o curta apresenta imagens preciosas dos ensaios de Sergio Brito e Fernanda Montenegro (no papel que lhe valeu um prêmio Molière) dirigidos por Fernando Torres.

Em seqüência, o programa traz dois filmes da série Teatro Brasileiro, dirigidos e roteirizados por Olney São Paulo em 1974. o primeiro, chamado Origem e Mudança, faz um breve resumo da história do teatro nacional, a partir dos primeiros movimentos que começaram a se afastar do teatro romântico do século XIX, já na década de 1930. São rapidamente contemplados o Teatro Social de Joracy Camargo, o Teatro do Estudante, de Pascoal Carlos Magno e o grupo Os Comediantes (com depoimentos de Luisa Barreto Leite), e o impacto de sua montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. O filme se estende à criação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), do qual Paulo Autran sai em defesa.

O segundo filme da série, Novas Tendências, começa onde o outro termina: a primeira montagem do texto deflagador do teatro popular, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, em 1957. com depoimentos de Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam Black-tie, 1958), e Flávio Rangel (falando de sua experiência do TBC, Pagador de Promessas, e a colaboração com Millôr em Liberdade, Liberdade), o curta se encerra com registro de Roda Viva por José Celso Martinez Correa, e discussão sobre a influência do movimento tropicalista. A montagem de Severino Dada e a narração sempre sóbria de Paulo César Peréio garantem a fluidez dos dois filmes.

Os dois últimos curtas têm como grande interesse o aspecto histórico. A Face e a Máscara, realizado pelo Curso Prático de Cinema e por alunos da Escola de teatro da FEFIEG (Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara), não esconde seu amadorismo, mas tem interesse o registro de época. Também apresenta uma ou outra curiosidade que pode atrair o espectador para Teatro Municipal, de Ruy Santos, que, com texto algo pretensioso (narrado por Sergio Chapelin), apresenta a arquitetura e a história do Teatro Municipal do Rio de Janeiro a partir da visita de uma jovem fascinada.



Programa 25
Curtas Infantis 1

Classificação
Livre

Séries
· Da primeira idade à adolescência
O Programa Curtas Infantis 1 reúne sete animações para a criançada. Feitas em diversas técnicas e condições formam interessante panorama da produção no gênero. Os trabalhos que abrem e encerram o programa, justamente os mais recentes, são frutos do edital infanto-juvenil do Ministério da Cultura, o Curta Criança.

Filmes do Programa 25

Alma Carioca - Um Choro de Menino
William Côgo , RJ, 2002
Disfarce Explosivo
Mário Galindo , SP, 2000
Historietas Assombradas (Para Crianças Malcriadas)
Victor-Hugo Borges , SP, 2005
Isabel e o Cachorro Flautista
Christian Saghaard , SP, 2004
Mitos do Mondo: Como Surgiu a Noite?
Andrés Lieban , RJ, 2005
O Nordestino e o Toque de sua Lamparina
Ítalo Maia , CE, 1998
O Tamanho que Não Cai Bem
Tadao Miaqui , RS, 2001
Tempo total aproximado do programa: 64 minutos.

Crítica

Produções que levam a sério o público infantil
Rodrigo Grota

Mesmo não se configurando uma definitiva síntese da animação brasileira dos últimos anos, o programa Curtas Infantis 1 aponta as virtudes e singularidades de nossa cinematografia dirigida para o público infantil. O DVD reúne três produções de São Paulo, duas do Rio, um curta gaúcho e uma animação do Ceará.

Na animação paulista Disfarce Explosivo (2000), de Mário Galindo, há um clima próximo às situações cômicas que Mazzaropi ambientava no meio rural brasileiro. Tecnicamente bem produzido, o filme remete à animação "A Fuga das Galinhas", preservando um humor que, às vezes, soa ingênuo.

Em O Tamanho que não Cai bem (2001) vemos um ótimo resultado de uma oficina realizada com crianças de uma escola de Porto Alegre. Esta animação tem na ingenuidade e no aspecto lúdico suas maiores forças. Outra qualidade: os desenhos dos personagens se alternam em alguns momentos, criando uma espécie de fluxo interno proporcional à transitoriedade da vida.

Isabel e o Cachorro Flautista (2004), de Christian Saghaard, mistura imagens em 35mm e desenhos animados. Sob um tom de fábula, o espectador mergulha em um universo fantástico com certa facilidade, graças à interpretação singela da estreante Júlia Freitas. O filme tem na inocência sua principal virtude.

Uma das animações brasileiras mais premiadas nos últimos anos, Historietas Assombradas (para crianças malcriadas) (2005), de Victor-Hugo Borges, é composta por três histórias livremente adaptadas do folclore brasileiro. Produzido com uma técnica mista, o curta apresenta uma fluidez narrativa encantadora, fortalecida pela voz sóbria de Mirian Muniz. Com uma estética próxima aos filmes de Tim Burton, trata-se de um ótimo exemplo de como apresentar temas de nossa cultura sob uma narrativa dinâmica e não-didática.

Em Alma Carioca: um Choro de Menino... (2002), de William Côgo, além da trilha sonora impecável, há também a evocação de um Rio nostálgico, sem a violência e a pobreza dos dias atuais. O excessivo idealismo, porém, se revela um mecanismo didático, ignorando contradições e controvérsias tão naturais a uma narrativa dramática.

Produzido pela TVE Brasil, Mitos do Mondo: Como Surgiu a Noite (2005), de Andrés Lieban, unifica as diversas raízes que formam o que se poderia chamar de "civilização brasileira". A animação tem como principal mérito apresentar a cultura indígena de forma não-depreciativa, ainda que, em alguns momentos, o conteúdo se revele um tanto caricato.

O Nordestino e o Toque de sua Lamparina (1998), de Ítalo Maia, foi produzido pelo Núcleo de Animação da Casa Amarela, no Ceará. Mostra o inusitado encontro de um sertanejo e um daqueles gênios típicos das histórias contadas no lendário ?As Mil e Uma Noites?. Com um toque de humor, e trilha sonora adequada, o filme oferece um tratamento mais lúdico a um tema tão associado às mazelas sociais.



Programa 26
Curtas Infantis 2

Classificação
Livre

Séries
· Da primeira idade à adolescência
O Programa traz quatro ficções protagonizadas por crianças e adolescentes. Maré Capoeira e Caçadores de Saci foram produzidos a partir do edital infanto-juvenil do Ministério da Cultura, o Curta Criança. D. Cristina Perdeu a Memória discute o esquecimento de uma idosa através de sua relação com um menino de oito anos, enquanto Paisagem de Meninos mostra os dilemas de um grupo de garotos que querem assistir a um seriado no cinema, nos anos 30.

Filmes do Programa 26

Caçadores de Saci
Sofia Federico, BA, 2005
Dona Cristina Perdeu a Memória
Ana Luiza Azevedo , RS, 2002
Maré Capoeira
Paola Leblanc , RJ, 2005
Paisagem de Meninos
Fernando Severo , PR, 2003
Tempo total aproximado do programa: 66 minutos.

Crítica

?Infantis? para todas as idades
Januário Guedes

O programa reúne quatro filmes de curta-metragem identificados como ?infantis?, mas, na verdade, trata-se de cinema capaz de agradar qualquer idade. São histórias que vêm de diferentes regiões do país, cada uma com seu sotaque e suas particularidades culturais. Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná são os estados brasileiros de origem dos quatro filmes aqui reunidos.

O primeiro deles, Maré Capoeira, é narrado pelo garoto Maré ? todo mundo na capoeira tem apelido, segundo o protagonista ?, porque ele vive grande parte do seu tempo na praia. O filme começa com uma roda de capoeira, que se torna o centro da narrativa, e cujo mestre é o pai do garoto. Mistura a história da família de Maré, uma linhagem de capoeiristas, e sua amizade com a menina Tatuí, que também participa da roda, com preciosas informações sobre a origem e a história da capoeira no Brasil. Os famosos Mestre ?Pastinha?, Mestre ?Bimba? e ?Madame Satã? são citados no curta, que ainda tem fôlego para se ocupar dos instrumentos utilizados nas rodas, dos cantos e dos vários tipos de capoeira existentes. A narrativa é enriquecida com trechos de outras produções brasileiras (como Barravento e Madame Satã, entre outros) numa mistura atraente de documentário e ficção.

Caçadores de Saci, o segundo filme, brinca com a lenda brasileira do saci pererê, em uma divertida história que se passa no interior de Minas Gerais. O saci, ou melhor, cinco deles, infernizam a vida da família de um pequeno lugarejo na roça, fazendo o feijão queimar, o milho da pipoca não estourar, o café ficar salgado... A família resolve contratar um famoso caçador de sacis e todos partem, sob suas ordens, para a caçada bem-sucedida.

Dona Cristina Perdeu a Memória, o terceiro filme, aborda as dificuldades que uma pessoa idosa enfrenta quando começa a ter problemas de memória. Moradora de um asilo, Dona Cristina sente a necessidade de conservar suas lembranças para se conectar com o mundo. Isso estimula sua relação com um garoto, morador da casa vizinha, que acaba se tornando cúmplice de sua memória afetiva. O filme diverte pela singeleza do diálogo entre os dois personagens e pela delicadeza com que o assunto, tão sério, é tratado pela diretora gaúcha.

Paisagem de Meninos narra a história de um grupo de garotos que, numa pequena cidade do interior do Paraná, vive uma infância despreocupada e divertida. Para conseguirem entrar no cinema local, eles lançam mão de mil artifícios. O grande dilema é que os freqüentadores devem estar calçados, e apenas um de nossos heróis tem sapatos. Na falta da telona, vale o improviso: usar a imaginação para criar um cinema e filmes de faz-de-conta. A história se passa em meados do século passado, com uma reconstituição de época bastante interessante. Um filme que diverte as crianças pelas peripécias vividas pelos garotos e fará, certamente, os adultos rememorarem seus dias de matinês em antigos cinemas por todo o país.



Programa 29
Em torno de Glauber

Classificação
12 anos

Séries
· Estudos de Linguagem
Glauber Rocha, considerado o mais importante cineasta brasileiro de todos os tempos, influenciou toda uma geração subseqüente à sua morte. Nesse programa juntamos obras que tentam desconstruir o mito Glauber, mantendo-se fieis às suas proposições de linguagem e estética. Sua mãe, D. Lúcia Rocha, também é retratada, tanto como tema do documentário Abry, quanto se despedindo do filho em A Degola Fatal, num dos momentos mais registrados da história do cinema nacional.

Filmes do Programa 29

A Degola Fatal
Clóvis Molinari Junior e Ricardo Favilla, RJ, 2004
A Voz do Morto.
Vitor Angelo , SP, 1993
Abry
Joel Pizzini e Paloma Rocha , SP, 2003
De Glauber para Jirges
André Ristum , SP, 2005
Memória de Deus e do Diabo em Monte Santo e Cocorobó
Agnaldo Siri Azevedo , BA, 1984
Tempo total aproximado do programa: 85 minutos.

Crítica

Retrato fragmentar do gênio do Cinema Novo
Tiago Mata Machado

Mais de 25 anos depois de sua morte, o nome de Glauber Rocha continua uma referência central no debate sobre o cinema e a cultura nacionais. Ainda que o novo cinema brasileiro, o chamado cinema da retomada, tenha convertido o legado glauberiano em uma espécie de contra-exemplo, renegando-lhe os excessos e mesmo a modernidade, o fantasma de Glauber continua a assombrar até mesmo aqueles que, de sua geração, sobreviveram.

Numa época em que o cinema nacional parece ter abdicado da missão de pensar e fabular o país, contentando-se em refletir-lhe a realidade pela superfície, a figura de Glauber não deixa de encarnar um ideal perdido da nossa arte. Mais do que a encarnação do ideal nacional-popular de sua geração, para além da política, Glauber foi um artista capaz de construir uma imagem moderna do país através de suas forças mais arcaicas, um verdadeiro criador, ainda hoje o maior de nossa cinematografia. Os filmes presentes nesta coletânea compõem um retrato fragmentar e polifônico desse grande gênio, sem pretender esgotar-lhe a complexidade. Não esgotam nem tampouco explicam Glauber, mesmo porque Glauber não se explica.

Em Memória de Deus e do Diabo em Monte Santo e Corobobó, inspirado em texto-memória de Glauber, o diretor Agnaldo Siri Azevedo incursiona pelas cidades que serviram de cenário ao clássico Deus e o Diabo na Terra do Sol. Seu guia é um personagem messiânico-glauberiano encarnado por Carlos Sampaio. No rastro desse personagem acompanhamos as histórias que serviram de manancial para essa primeira obra-prima de Glauber, mas nada que diga respeito às filmagens.

De Glauber para Jirges relata as cartas enviadas pelo cineasta a seu amigo e colaborador Jirges Ristum (ator de Claro, o mais belo filme de exílio do diretor), nos anos 70. Dirigido pelo filho de Jirges, André, e montado pelo filho de Glauber, Eryk, o curta compõe um belo retrato do Glauber dos anos 70, desiludido com a política e rendido à ?rica vida, festiva e sexual, em Tupi style?. O filme termina com um singelo poema de Jirges, também morto nos anos 80, à memória do amigo: ?Quem mandou glauberocha embora antes que (eu) pudesse entender??

A Voz do Morto, de Sergio Zeigler e Vitor Angelo, recupera alguns belos momentos de Glauber, como as suas participações no programa televisivo ?Abertura?, mas esbarra, volta e meia, numa leitura um tanto ingênua da política glauberiana, aqui reduzida ao mero questionamento dos males e mazelas da sociedade brasileira. A herança glauberiana reduzida ao seu clichê político.

Em Abry, de Joel Pizzini e Paloma Rocha (filha do diretor), a personagem principal é Dona Lúcia Rocha, mãe e eterna provedora de Glauber. Espécie de filme de família submetido a uma ?montagem atômica? (conceito polifônico que Glauber criou à época de seu polêmico Di), Abry traz Dona Lúcia relatando as suas memórias no leito de um hospital, onde acaba de se submeter a uma cirurgia de ponte de safena. Um belo e inusitado álbum de família.



Programa 34
Literatura e Cinema

Classificação
16 anos

Séries
· Universo literário
Literatura e Cinema são artes que se interpolam e este programa traz bons exemplos disso. No filme A João Guimarães Rosa, mestre Roberto Santos enfoca o sertão eternizado pela obra do autor de "Grande Sertão: Veredas". A Moça que Dançou Depois de Morta traz a literatura de cordel transformada em cinema de animação, enquanto Biografia do Tempo promove uma mescla da obra de Santiago Alvarez e Pedro Nava. Em Françoise e Transubstancial, Luiz Vilela e Augusto dos Anjos são respectivamente celebrados por cineastas de seus estados de origem. Imensidade engendrada uma interessante experimentação sócio-poética ao fazer declamar Castro Alves em plena Praça da Sé. Em Meu nome é Paulo Lemiski, a obra do poeta paranaense serve de fonte de conflito entre pais e filhos. Trabalhos díspares que demonstram as possibilidades múltiplas da adaptação literário-cinematográfica.

Filmes do Programa 34

A João Guimarães Rosa
Marcelo G. Tassara , SP, 1968
A Moça que Dançou Depois de Morta
Ítalo Cajueiro , DF, 2003
Biografia do Tempo
Joana Oliveira e Marcos Pimentel , RJ, 2004
Françoise
Rafael Conde , MG, 2001
Imensidade
Amilcar Monteiro Claro , SP, 2003
Meu Nome é Paulo LeminsKi
Cezar Migliorin , RJ, 2004
Transubstancial
Torquato Joel , PB, 2003
Tempo total aproximado do programa: 87 minutos.

Crítica

A Palavra e a Imagem.
Januário Guedes


O cinema sempre buscou na literatura temas e argumentos que deram origem a filmes de todos os gêneros, alguns de grande sucesso. A palavra escrita ou proferida, símbolo por excelência, exige talvez mais esforço do que o signo icônico – ou seja, a figuração do mundo representado pela imagem -, para ser entendida pelo interlocutor. Mas ambas necessitam da intervenção da mente humana no processo de definição do sentido do discurso. E a própria palavra “imaginar” já permite entender que todo pensamento humano se estrutura com imagem. Dito de outro modo, o mundo só poderá ser pensado através da imagem.

Toda essa conversa introdutória serve para dizer que os sete filmes de curta-metragem incluídos neste programa procuram, de várias maneiras, dar conta dessa relação entre a palavra e a imagem, num processo que os estudiosos chamariam de transcodificação. Alguns deles se apresentam como ensaios poéticos, na tentativa de encontrar metáforas visuais correspondentes àquelas dos textos nos quais se baseiam. Este é o caso do filme A João Guimarães Rosa, no qual a textura das belas imagens em preto-e-branco da fotógrafa Maureen Bisilliat procuram corresponder às palavras de Guimarães Rosa, descrevendo em “Grande Sertão: Veredas” a paisagem física e humana das Gerais.

É também o caso de Biografia do Tempo, um encontro poético entre as palavras de Pedro Nava e as imagens do cineasta cubano Santiago Alvarez, diálogo sobre o tempo e a memória. Ou de Transubstncial, no qual o texto de Augusto dos Anjos dá origem a metáforas visuais sobre a vida e a morte.

Já em Imensidade, orientado pela poesia de Castro Alves, cujo apelido era “Ceceu”, uma personagem de ficção, vestida de noiva, percorre uma grande cidade em busca do noivo, pedindo informação aos habitantes marginalizados de suas ruas. Do mesmo modo, o cordel de José Francisco Borges faz o pano de fundo para a animação da xilogravura de Jorge Bezerra, importante artista popular do nordeste, no curta de animação A Moça que Dançou Depois de Morta.

Há ainda um filme que talvez pudesse ser chamado de “experimental”, cujo título é Meu Nome é Paulo Leminsky, e que preserva, na sua forma, a irreverência do poeta paranaense e sua não-conformação com padrões estabelecidos.

Por fim, há uma adaptação do conto “Françoise”, do mineiro Luiz Villela, que, mesmo conservando um formato sem grandes inovações, garante, até mesmo pela interpretação dos autores, um bom momento de cinema.




Programa 50
Porto das Caixas e Arraial do Cabo

Classificação
12 anos

Séries
· Visões políticas
O programa reúne os dois primeiros filmes assinados por Paulo César Saraceni ? fundamentais para a compreensão do Cinema Novo, por tocarem em temas e linguagens que iriam desabrochar, poucos anos depois, no mais importante movimento cinematográfico brasileiro. Arraial do Cabo (1959) é um documentário sobre a instalação de uma indústria química num reduto de pescadores, enquanto que Pôrto das caixas (1962) é uma ficção sobre uma mulher oprimida pelo marido, ambientada numa comunidade estagnada. São obras nas quais começam a aparecer subjetivismo e poesia resultantes, aqui, dos enquadramentos pictóricos do fotógrafo Mario Carneiro, parceiro de toda vida do diretor.

Filmes do Programa 50

Arraial do Cabo
Mario Carneiro e Paulo César Saraceni , RJ, 1959
Porto das Caixas
Paulo César Saraceni , RJ, 1962
Tempo total aproximado do programa: 97 minutos.

Crítica

UM CINEMA VOLTADO PARA O HUMANO
Marcelo Miranda

Algumas das principais e mais básicas características do cinema moderno são o desapego a uma narrativa contínua de causa e conseqüência e a presença do ambiente ou espaço como deflagrador das ações das personagens. No caso de Pôrto das caixas, primeiro longa-metragem de Paulo César Saraceni, esses dois elementos estão fortemente presentes a cada cena, a cada plano do filme. Apesar de o enredo funcionar com acúmulo de situações (mulher vai sendo maltratada pelo marido até não agüentar mais e decidir livrar- se dele), importa menos a Saraceni como sua protagonista vai conseguir resolver a situação do que o envolvimento e a interação dela com tudo que está ao seu redor.

Pôrto das caixas foi lançado em 1962 e serve como estopim do Cinema Novo ? movimento que já surgia forte e iria explodir no ano seguinte, com a trinca Vidas secas, Os fuzis e Deus e o diabo na terra do sol. Porém, diferente destes três, Pôrto das caixas focava o ambiente urbano e retratava de maneira direta, sem maiores cargas de simbolismo, as angústias de pessoas à margem dos grandes centros e das possibilidades de ascensão. A personagem principal, interpretada com grande expressividade por Irma Álvarez, é reflexo disso: dona de casa submissa, ela tenta, por meio do forte poder de sedução, fugir do aparente determinismo no qual está enjaulada.

No caminho, ela se insinua a vários homens, conspira contra o marido, movimenta-se pelo espaço onde vive ? nas redondezas de uma estação de trem que parece servir de principal fonte de renda da região. Saraceni mistura ficção com um tom realista marcante, em especial ao se fixar no rosto de pessoas comuns, prováveis moradores incorporados à própria realidade criada pelo diretor. É o típico cinema que coloca a câmera nas ruas, em contato com o povo e, dali, ilustra sua própria temática. A fotografia e os enquadramentos de Mario Carneiro, junto à trilha sonora de Tom Jobim, colaboram para o tom melancólico e triste que perpassa todo o filme.

Triste, sim, mas jamais piedoso. Saraceni não demonstra compactuar com sua protagonista. Ainda que o andamento do filme pareça dar razão a ela por querer desaparecer com o marido violento, a construção tanto da mulher quanto do homem guarda ambigüidades que evitam o maniqueísmo. Ele é machista e duro, mas esconde nos olhos e nos gestos a fraqueza de não saber viver sem a esposa; ela é carente e sofrida, mas não perde a oportunidade de tentar cooptar qualquer um para dar cabo do marido ? e, quando nenhuma de suas investidas dá certo, ela própria toma o controle da situação e, conseqüentemente, de seu destino. O caminhar pelos trilhos do trem (os mesmos trilhos que levaram o marido) é outro instante do filme em que a personagem surge impregnada pelo ambiente onde habita. No caso, pela neblina que toma o espaço e parece representar a incerteza dos tempos que se abrem aos seus olhos ? ou mais além: ao seu corpo e sua mente.

Arraial do Cabo, curta-metragem também presente neste DVD, é, assim como Aruanda, de Linduarte Noronha e datado do mesmo ano, marco do Cinema Novo. Dirigido por Saraceni em parceria com Mario Carneiro, registra o cotidiano de pescadores em conflito com operários na cidade carioca que dá título ao filme. É outro demonstrativo do cinema moderno como momento de embate e interação entre o homem e o espaço. Aqui, no caso, isso fica claro nas seqüências de pesca e preparo dos peixes. O rosto, sempre elemento-chave, aparece em primeiro plano, a deixar claro ao espectador o intuito de fazer um cinema sobre o homem ? especificamente, o brasileiro ? com suas deficiências, fragilidades e virtudes.

*Marcelo Miranda: crítico de cinema dos sites Digestivo Cultural, Cinequanon e Filmes Polvo e repórter de Cultura do jornal O Tempo (Belo Horizonte).



Programa 108
Boleiros, era uma vez o futebol e uma história de futebol

Classificação
Livre

Temas
futebol, infância, velhice, amizade, bar, juíz
Recursos Extras
Uma seleção que não marca apenas um gol, mas faz uma goleada... Assim é a escolha dos filmes escalados para este programa sobre uma das paixões nacionais: o futebol. Boleiros, era uma vez o futebol já nasceu clássico. Basta conferir o elenco. O “técnico” Ugo Giorgetti não quer saber de retranca e bota o time todo no ataque. O longa-metragem trata de “causos” saborosos, fruto das memórias de gente que nasce e vive do esporte. Mas nem todas as narrativas são felizes nesta obra de forte apelo popular. Afinal de contas, racismo, trambiques, amores, fracassos e ilusões fazem parte de todos os tipos de enredo – e o futebol, é claro, não é exceção. Já o curta-metragem Uma história de futebol, de Paulo Machline, é uma ficção sobre as lembranças de um garoto que jogou um dia com aquele que seria, pouco tempo depois, o rei Pelé. Premiado em vários festivais, foi escolhido melhor curta no Grande Prêmio Cinema Brasil e fez parte da seleção oficial de curtas-metragens do Oscar em 2001. Dois filmes que dão um show de bola!

Filmes do Programa 108

Boleiros, era uma vez o futebol
Ugo giorgetti, SP , 1998
Uma história de futebol
Paulo Machline, SP, 1999
Tempo total aproximado do programa: 118 minutos.

Crítica

No Brasil, existe o mito de que o futebol não rende bom cinema. Mas, se não há uma obra-prima definitiva, existe um punhado de bons documentários (Garrincha, alegria do povo e a série televisiva Futebol) e outro de ficções (o curta Barbosa e os momentos futebolísticos de Linha de passe) sobre o tema.
Boleiros, era uma vez o futebol e Uma história de futebol fazem parte desse seleto grupo. No caso do longa-metragem de Ugo Giorgetti, talvez seja impreciso dizer que se trata de uma produção sobre o esporte mais popular do Brasil. O filme é, antes de tudo, um estudo afetivo sobre a passagem do tempo – que usa o futebol como filtro da memória.
O ponto de partida é o encontro em um bar de pessoas que foram ligadas ao futebol: os ex-craques Naldinho (Flavio Migliaccio), Otávio (Adriano Stuart) e Ari (João Acaiabe), um ex-juiz (Rogério Cardoso), entre outros. Eles relembram casos do passado remoto ou recente: o juiz comprado que mandou repetir um pênalti três vezes, o ex-jogador que precisa vender os troféus para levantar dinheiro, os torcedores corintianos que levam um atleta machucado a um pai-de-santo, o jogador malandro que dribla o técnico durão para dormir com uma mulher na concentração e assim por diante. São episódios em geral bem-humorados, dirigidos por alguém que claramente entende do riscado (Giorgetti escreve sobre futebol em jornal), e que dão ao filme um saboroso tom de crônica esportiva. Mas não conseguem evitar que se instale um crescente clima de melancolia no bar, despertado pelo embate entre as lembranças de um passado mítico e a sobrevivência em um presente real demais, pelo contraste entre as fotos antigas dos craques na parede e os corpos envelhecidos à mesa. Sentimento resumido por um dos boleiros do filme: “Parar de jogar bola não é justo. Sou técnico há 20 anos, sempre sonho que estou jogando, nunca sonho que estou no banco”.
Esse choque entre o novo e o velho é o cerne da obra de Giorgetti. Em seus filmes o espaço geográfico e social está longe de ser um dado irrelevante. Por trás do ar aparentemente despretensioso da maioria de suas produções, o cineasta lança um olhar bastante agudo sobre as transformações que o tempo impõe a São Paulo, construindo uma obra de rara coerência no cinema brasileiro recente. Uma visão crítica, mas não contaminada pelo saudosismo de seus boleiros.
No caso de Uma história de futebol, é justamente a nostalgia que move o filme: Zuza (com a voz de Antônio Fagundes) relembra seus tempos de pelada em Bauru com o menino que se tornaria o rei do futebol, um certo Pelé. Em um curta-metragem bem cuidado e construído, que seria indicado ao Oscar da categoria, o diretor Paulo Machline se aproxima não de Giorgetti, mas dos personagens deste, saudosos de um tempo que só a memória consegue recuperar.




Programa 139
Brasil Indígena

Classificação
Livre

Temas
Questão Indígena, conflitos, documentário
O programa apresenta quatro visões particulares sobre o índio, dos anos 1960 até a virada do milênio. Ãgtux traz, com um olhar sensível, as questões de terra que envolvem a nação Maxacali, de Minas Gerais. Jornada Kamayurá narra com delicadeza um dia na pequena nação de mesmo nome. Bubula, o cara vermelha retrata Jesco von Puttkamer, cinegrafista das expedições dos irmãos Villas Bôas, com impressionantes registros de primeiros contatos com tribos indígenas. E Mato eles?, filme seminal de Sérgio Bianchi, revela sua ironia ácida e provocativa ao investigar as últimas etnias existentes no Paraná no final da década de 1970.

Filmes do Programa 139

Ãgtux
Tania Anaya, MG-DF, 2005
Bubula, o cara vermelha
Luiz Eduardo Jorge, Go, 1999
Jornada Kamayurá
Heinz Forthmann, RJ, 1966
Mato eles?
Sergio Bianchi , Brasil, 1983
Tempo total aproximado do programa: 97 minutos.

Crítica

Identidade e território garantidos nas telas

Neusa Barbosa*

Se, ao longo da história do país, tem sido cronicamente inviável encaixar o índio com justiça e cidadania plena na sociedade nacional, no cinema ele tem merecido sólidas investigações sobre sua identidade – que é, em boa medida, preservada por trabalhos cinematográficos com registros e intenções não raro opostos, ainda que complementares.
Uma das abordagens mais ácidas da candente questão indígena atravessa, desde o provocativo título, o média-metragem Mato eles? (1983), do diretor paranaense Sérgio Bianchi. Documentário engajado, com proposta de ativismo político nos últimos anos da ditadura militar (1964-1985), o filme expõe os bastidores da virtual destruição da reserva de Mangueirinha (PR).
Formalmente, o filme não é menos explosivo. O cineasta divide seu libelo em capítulos, cada um deles iniciado por questionários com perguntas de grandiloquência irônica, que emulam os formulários burocráticos das instituições governamentais. Assim fazendo, sistematiza a denúncia da dilapidação dos recursos naturais da reserva pela própria Funai (Fundação Nacional do Índio), que cedeu metade da área a uma madeireira, encurralando os kaigang, xetá e guarani que compartilhavam o território.
Incorporando sua própria autocrítica, Bianchi não poupa a si mesmo, diretor onipresente sempre disparando perguntas provocativas em cena, duvidando até mesmo da pureza do cinema como instrumento de denúncia. Todos esses elementos contribuem para que a força da obra – que preparou a trilha para o lançamento de outros filmes luminares sobre o tema, como Serras da desordem (2006), de Andrea Tonacci, e Corumbiara (2009), de Vincent Carelli – permaneça indelével décadas depois de sua realização.
Os demais títulos do programa traçam a linha demarcatória da memória da rica cultura indígena – outra pedra lapidar na defesa dessas populações, apagadas sob a força de armas que instituem sua invisibilidade. O mais antigo deles é Jornada Kamayurá (1966), de Heinz Forthmann, uma produção do Instituto Nacional de Cinema Educativo, fundado em 1936 para criar uma imagem do Brasil. Trabalho que une rigor etnográfico com delicadeza poética, o filme do documentarista e professor alemão, radicado no Brasil, sintetiza um dia na vida natural dos kamayurá do Alto Xingu – um povo ligado à água, que domina as técnicas de uma arquitetura ecológica, traduzida em enormes ocas coletivas, e amantes de iguarias como o pequi e o gafanhoto.
Bubula, o cara vermelha (1999), de Luiz Eduardo Jorge, igualmente recupera imagens do passado. Através do perfil de Jesco von Puttkamer (fotógrafo e cinegrafista de diversas missões de aproximação dos antropólogos Cláudio e Orlando Villas Bôas e Francisco Meirelles), descobre-se a fascinação pela riqueza da cultura indígena, em rituais como o Kuarup. E também o arsenal de técnicas do cinegrafista, um mestre da improvisação, tornando-se o próprio técnico de som em plena selva e tocando até uma sanfoninha para ajudar a relaxar estes primeiros contatos com tribos isoladas.
O curta-metragem mais recente, Ãgtux, de Tania Anaya, recorre à animação para dar vida à rica cosmogonia dos Maxacali, povo que habita o Vale do Mucuri (MG). Escorados numa riqueza fabular inversamente proporcional ao seu reduzido número – a comunidade é formada apenas por 1.200 pessoas –, estes indígenas preocupam-se com a disponibilidade de água para todos os homens. Cidadãos de um mundo que ultrapassa suas reduzidas fronteiras, as questões da degradação da terra e da necessidade de adaptação de seus rituais igualmente estão à flor de sua pele.




Programa 139
Brasil Indígena

Classificação
Livre

Temas
Questão Indígena, conflitos, documentário
O programa apresenta quatro visões particulares sobre o índio, dos anos 1960 até a virada do milênio. Ãgtux traz, com um olhar sensível, as questões de terra que envolvem a nação Maxacali, de Minas Gerais. Jornada Kamayurá narra com delicadeza um dia na pequena nação de mesmo nome. Bubula, o cara vermelha retrata Jesco von Puttkamer, cinegrafista das expedições dos irmãos Villas Bôas, com impressionantes registros de primeiros contatos com tribos indígenas. E Mato eles?, filme seminal de Sérgio Bianchi, revela sua ironia ácida e provocativa ao investigar as últimas etnias existentes no Paraná no final da década de 1970.

Filmes do Programa 139

Ãgtux
Tania Anaya, MG-DF, 2005
Bubula, o cara vermelha
Luiz Eduardo Jorge, Go, 1999
Jornada Kamayurá
Heinz Forthmann, RJ, 1966
Mato eles?
Sergio Bianchi , Brasil, 1983
Tempo total aproximado do programa: 97 minutos.

Crítica

Identidade e território garantidos nas telas

Neusa Barbosa*

Se, ao longo da história do país, tem sido cronicamente inviável encaixar o índio com justiça e cidadania plena na sociedade nacional, no cinema ele tem merecido sólidas investigações sobre sua identidade – que é, em boa medida, preservada por trabalhos cinematográficos com registros e intenções não raro opostos, ainda que complementares.
Uma das abordagens mais ácidas da candente questão indígena atravessa, desde o provocativo título, o média-metragem Mato eles? (1983), do diretor paranaense Sérgio Bianchi. Documentário engajado, com proposta de ativismo político nos últimos anos da ditadura militar (1964-1985), o filme expõe os bastidores da virtual destruição da reserva de Mangueirinha (PR).
Formalmente, o filme não é menos explosivo. O cineasta divide seu libelo em capítulos, cada um deles iniciado por questionários com perguntas de grandiloquência irônica, que emulam os formulários burocráticos das instituições governamentais. Assim fazendo, sistematiza a denúncia da dilapidação dos recursos naturais da reserva pela própria Funai (Fundação Nacional do Índio), que cedeu metade da área a uma madeireira, encurralando os kaigang, xetá e guarani que compartilhavam o território.
Incorporando sua própria autocrítica, Bianchi não poupa a si mesmo, diretor onipresente sempre disparando perguntas provocativas em cena, duvidando até mesmo da pureza do cinema como instrumento de denúncia. Todos esses elementos contribuem para que a força da obra – que preparou a trilha para o lançamento de outros filmes luminares sobre o tema, como Serras da desordem (2006), de Andrea Tonacci, e Corumbiara (2009), de Vincent Carelli – permaneça indelével décadas depois de sua realização.
Os demais títulos do programa traçam a linha demarcatória da memória da rica cultura indígena – outra pedra lapidar na defesa dessas populações, apagadas sob a força de armas que instituem sua invisibilidade. O mais antigo deles é Jornada Kamayurá (1966), de Heinz Forthmann, uma produção do Instituto Nacional de Cinema Educativo, fundado em 1936 para criar uma imagem do Brasil. Trabalho que une rigor etnográfico com delicadeza poética, o filme do documentarista e professor alemão, radicado no Brasil, sintetiza um dia na vida natural dos kamayurá do Alto Xingu – um povo ligado à água, que domina as técnicas de uma arquitetura ecológica, traduzida em enormes ocas coletivas, e amantes de iguarias como o pequi e o gafanhoto.
Bubula, o cara vermelha (1999), de Luiz Eduardo Jorge, igualmente recupera imagens do passado. Através do perfil de Jesco von Puttkamer (fotógrafo e cinegrafista de diversas missões de aproximação dos antropólogos Cláudio e Orlando Villas Bôas e Francisco Meirelles), descobre-se a fascinação pela riqueza da cultura indígena, em rituais como o Kuarup. E também o arsenal de técnicas do cinegrafista, um mestre da improvisação, tornando-se o próprio técnico de som em plena selva e tocando até uma sanfoninha para ajudar a relaxar estes primeiros contatos com tribos isoladas.
O curta-metragem mais recente, Ãgtux, de Tania Anaya, recorre à animação para dar vida à rica cosmogonia dos Maxacali, povo que habita o Vale do Mucuri (MG). Escorados numa riqueza fabular inversamente proporcional ao seu reduzido número – a comunidade é formada apenas por 1.200 pessoas –, estes indígenas preocupam-se com a disponibilidade de água para todos os homens. Cidadãos de um mundo que ultrapassa suas reduzidas fronteiras, as questões da degradação da terra e da necessidade de adaptação de seus rituais igualmente estão à flor de sua pele.



Programa 152
Rio de Janeiro: a cidade e o morro

Classificação
16 anos

Temas
Rio de Janeiro, violência urbana, favelas, urbanização
Os três curtas-metragens deste programa discutem a relação entre a cidade do Rio de Janeiro e a favela ao longo do tempo. O clássico Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade, mostra com rara delicadeza a relação de meninos do morro em busca de gatos para vender em pontos diversos da cidade nos anos 1960. Rocinha Brasil 1977, de Sérgio Péo, faz um retrato da maior favela da cidade em seus primeiros anos. E Sete Minutos, de Cavi Borges, Júlio Pecly e Paulo Silva, já traz a violência dos dias de hoje em um plano-sequência subjetivo de grande virtuosismo dramático. Completando o programa, o média-metragem Tópicos urbanos, de Ivana Mendes, conta a história da urbanização carioca, com informações preciosas para um debate consistente sobre o tema.

Filmes do Programa 152

Couro de gato
Joaquim Pedro de Andrade, RJ, 1960
Rocinha Brasil 1977
Sérgio Péo, RJ, 1977
Sete minutos
CAVI BORGES, Júlio Pecly e Paulo Silva, RJ, 2007
Tópicos urbanos
Ivana Mendes, RJ, 2005
Tempo total aproximado do programa: 93 minutos.

Crítica

Retratos cariocas do morro e do asfalto

Kleber Mendonça Filho*


A união de filmes em programas temáticos é um dos pontos mais fortes da Programadora Brasil. A eficácia dessas seleções está no fato de esses filmes servirem coletivamente ao tema, de forma orgânica. O programa “Rio de Janeiro: a cidade e o morro” prova que a reunião de imagens de cinema realizadas em diferentes tempos e tons pode resultar em excelente material didático. Os quatro filmes reunidos aqui oferecem um retrato generoso do Rio de Janeiro como espaço urbano em conflito constante e como um excelente ponto de partida para discussões sobre a cidade e o espírito carioca, com abordagens que vão dos dados objetivos à interpretação artística.
Tópicos urbanos, documentário de 50 minutos com formato televisivo, traz uma série de informações destiladas por pesquisadores, artistas e urbanistas que abordam, com claro prazer e paixão pela cidade, aspectos essenciais para compreender os movimentos humanos do Rio de Janeiro. De uma apresentação histórica da fundação da cidade, sua vocação geográfica para fortalezas de defesa na entrada da Baía da Guanabara e paraíso descoberto nos trópicos, acompanhamos o desenvolvimento do Rio rumo à fase de residência da Coroa Portuguesa e ao status de capital federal do Brasil. Já no final do século XIX, Tópicos urbanos começa a enumerar o nascimento de favelas com a chegada dos soldados que lutaram na guerra de Canudos e receberam falsas promessas de moradia do Governo. As informações bem apresentadas ganham ilustrações ricas, acrescidas de imagens em movimento, tanto de arquivo como atuais.
O clássico do curta-metragem brasileiro Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade, aqui apresentado em sua versão restaurada, expõe de forma ágil e extremamente fotogênica o dia-a-dia de um garoto que vive de vender gatos, para o uso de suas peles na confecção de instrumentos de percussão nas escolas de samba. É notável a forma como o filme reúne imagens da favela com as do asfalto, aspecto constante na cinematografia brasileira cujo foco é a tensão social.
A favela sozinha domina os demais títulos do programa – ambos curiosamente marcados pelo plano-sequência em travelling (tomadas ininterruptas com um movimento de câmera constante). Em Rocinha Brasil 1977, Sérgio Péo faz um trabalho excelente de contextualização do tempo, chegando ao ponto de abrir seu filme com um hit internacional da época. O melhor ainda está por vir, pois o filme, com seus longos planos-sequência, nos faz entrar na comunidade, propiciando uma viagem no tempo sobre as condições de vida, saneamento, arquitetura vernacular ou mesmo vestimentas e cortes de cabelo de um Brasil da segunda metade dos anos 1970.
A associação desse filme com Sete minutos é bem clara, pois o curta-metragem de Cavi Borges, Júlio Pecly e Paulo Silva também dispõe desse dispositivo “físico” de nos levar para dentro de uma comunidade, suas ruas e vielas. Desenvolve uma obra de ficção cujo tom pode ser interpretado como o de um noticiário ao vivo ou de um reality show, mas com claras influências da linguagem de primeira pessoa do videogame, em que a ação é totalmente composta pela movimentação da câmera que avança e recua, sem cortes, nos oferecendo uma interpretação (triste) da vida no Rio.




Programa 153
Samba e bossa-nova: música do Brasil

Classificação
12 anos

Temas
música
Quem faz a música popular brasileira? São poetas, malandros, guerreiros, amantes, palhaços e colombinas. Saem dos cortiços, morros e arranha-céus, chegam de jangada nas praias, comem mocotó e feijoada, desembarcam no aeroporto de Paris. Os sete documentários reunidos nesta compilação mostram o dia-a-dia, as apresentações, gravações e entrevistas em deliciosos registros dessa grande paixão brasileira. Partindo do samba de Pixinguinha, Noel Rosa e Heitor dos Prazeres, passando por Martinho da Vila e João Nogueira, com um breque na bossa nova de João Gilberto, avança até a MPB de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Nara Leão e Jards Macalé. Um programa para ver cantando e entoar: “Venha a mim, oh, música”!

Filmes do Programa 153

Álbum de música
Sérgio Sanz, RJ, 1974
Brasil
Rogério Sganzerla , RJ, 1981
Carioca, suburbano, mulato, malandro - João Nogueira
Jom Tob Azulay, RJ, 1979
Heitor dos Prazeres
Antonio Carlos da Fontoura, RJ, 1965
Martinho da Vila Paris 1977
Ari Candido Fernandes , SP, 1977
Noel por Noel
Rogério Sganzerla , RJ, 1981
Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba
Ricardo Dias e Thomaz Farkas, SP, 2006
Tempo total aproximado do programa: 78 minutos.

Crítica

País musical

Marcus Mello*

A riqueza do patrimônio musical brasileiro, em especial o samba e a bossa nova, é o mote temático deste programa, que reúne sete curtas-metragens, realizados entre 1965 e 2006.
Em Brasil (1981), Rogério Sganzerla documenta os bastidores da gravação do disco homônimo de João Gilberto, que contou com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Paralelamente, o diretor organiza um caleidoscópio de imagens, que incluem a passagem de Orson Welles pelo Brasil para as filmagens do inacabado It’s All True, além de performances de artistas como Grande Otelo, Ary Barroso, Dorival Caymmi e Eros Volúsia. Um genial rascunho para os três longas que Sganzerla depois dedicaria à frustrada experiência de Welles no país, Nem tudo é verdade (1986), Tudo é Brasil (1998) e O signo do caos (2003).
Álbum de música (1974), de Sérgio Sanz, retrata o “saudável caos” da música popular brasileira na primeira metade da década de 1970. Conduzido pelo jornalista Nelson Motta, o espectador vê desfilar diante da câmera um notável elenco de personalidades da MPB, em registros raros.
Carioca, suburbano, mulato, malandro - João Nogueira (1979), de Jom Tob Azulay, traça um perfil do popular sambista João Nogueira, morto em 2000. O diretor acompanha Nogueira em rodas de samba regadas a cerveja e mocotó e a visitas a músicos da velha guarda da Portela, sua escola do coração, além de registrar a gravação em estúdio do clássico samba “Súplica”. Um valioso documento sobre um compositor sofisticado, cuja contribuição para a música popular brasileira ainda está para ser devidamente reconhecida.
Heitor dos Prazeres (1965), de Antônio Carlos da Fontoura, mostra a grande arte do pintor e compositor, autor de clássicos como “Pierrô Apaixonado” e de telas que registraram o colorido do carnaval carioca. Em seu ateliê na Praça Onze, elegante como um dândi, o artista relembra seu passado. Realizado um ano antes da morte de Heitor, o curta foi fotografado por Affonso Beato, que reproduz as cores exuberantes das telas do artista com a mesma maestria mais tarde colocada a serviço do diretor espanhol Pedro Almodóvar.
Martinho da Vila Paris 1977 (1977), de Ari Candido Fernandes, documenta uma viagem do cantor e compositor Martinho da Vila à capital francesa. A invasão do samba brasileiro ao Quartier Latin é mostrada através de imagens e depoimentos saborosos de Martinho, neste curta que tem sua montagem assinada pelo crítico de cinema Inácio Araújo.
Em Noel por Noel (1981), Rogério Sganzerla presta tributo ao grande compositor da Vila Isabel, morto com apenas 26 anos de idade. A meteórica carreira de Noel é condensada ao longo de 10 minutos por Sganzerla, que exercita sua montagem dialética organizando documentos, fotos, manuscritos e imagens da musa do compositor, Ceci. Um belo ensaio para o longa que Sganzerla sempre sonhou em dirigir sobre Noel, e acabou morrendo sem concretizar.
O programa encerra-se com Pixinguinha e a velha guarda do samba (2006), de Ricardo Elias e Thomaz Farkas. O curta traz um raro registro de Pixinguinha, feito pelo próprio Farkas durante uma apresentação do grande compositor realizada em São Paulo, em abril de 1954, no Parque do Ibirapuera. Com a colaboração de Ricardo Dias, Farkas recupera esse material e relembra o dia em que filmou, absolutamente por acaso, esse mestre da música popular brasileira em ação.



Programa 124
No rio das amazonas e Cidadão Jatobá

Classificação
Livre

Séries
· Paisagens Brasileiras
Em No rio das amazonas, o diretor Ricardo Dias nos leva a uma viagem pela Amazônia, de Belém a Manaus. Tendo por guia o naturalista Paulo Vanzolini, somos apresentados a particularidades da ecologia da região, com ênfase no modo de vida das populações ribeirinhas do Baixo Amazonas. Realizado com uma câmera extremamente gentil e delicada, mas nunca alienada (apesar da parcialidade assumida pelo diretor, própria de qualquer obra que dependa da subjetividade), o filme nos permite sair do lugar comum que hoje é a discussão em torno da grandiosa Amazônia brasileira. Completa o programa, com a mesma delicadeza, o curta-metragem Cidadão jatobá. Dirigido por Maria Luiza Aboim e belamente fotografado, o filme revela a arte e a ciência dos indígenas do Alto Xingu, que para construir uma canoa de jatobá provam não ser necessário destruir a natureza.

Filmes do Programa 124

Cidadão Jatobá
Maria Luiza Aboim, MT, 1987
No Rio das Amazonas
Ricardo Dias, SP, 1995
Tempo total aproximado do programa: 90 minutos.

Crítica

VIAGEM PELA SABEDORIA

Pedro Butcher

O documentário No rio das amazonas acompanha o cineasta Ricardo Dias e sua equipe em uma incursão de barco, de 40 dias, pela região do Baixo Amazonas. Para guiar esta viagem, Dias escolheu um personagem muito especial: o compositor e zoólogo Paulo Vanzolini que, apesar de ser mais conhecido por seu talento musical (Ronda é sua canção mais popular), revela-se também um exímio especialista na fauna, na flora e, sobretudo, no modo de vida da região.

Seguindo uma estrutura aparentemente tradicional, intercalando entrevistas, depoimentos e imagens colhidas ao longo da viagem, o longa-metragem absorve vários elementos do documentário moderno. Em primeiro lugar, o diretor faz questão de narrar o filme em primeira pessoa, negando a costumeira impessoalidade do gênero e assumindo que seu filme é apenas um ponto de vista entre muitos outros possíveis.

Outro elemento importante é que o realizador consegue dar o mesmo peso ao “objeto” estudado e à voz do “especialista”. As palavras de Paulo Vanzolini têm a mesma importância que as entrevistas realizadas com os moradores da região, como Raimundo e Joaquim. São sabedorias diferentes e complementares — uma não é superior à outra. Isso se explica, em parte, pela própria curiosidade de Vanzolini — que é genuína e reflete a paixão pelo “objeto” — e também pela abertura que os moradores locais têm em relação à presença da câmera.

No rio das amazonas não fala só da natureza local,mas, sobretudo, da presença humana na região, narrada a partir da necessária perspectiva histórica, sem perder de vista o tempo presente. A diversidade biológica é tão fascinante quanto a sabedoria e a tecnologia resultantes da mistura de culturas do índio e das várias populações que migraram para a região. A canoa, por exemplo, é como um“prolongamento do corpo humano”, nas palavras de Vanzolini, “algo difícil de ser entendido pelo homem urbano”.

A construção de uma canoa, aliás, é o tema central de Cidadão jatobá, de Maria Luiza Aboim, curtametragem que também faz parte deste programa. Todo realizado no Alto Xingu, o filme traz imagens da complexa fabricação da embarcação a partir da retirada da casca de uma árvore. Enquanto observamos o trabalho dos índios, ouvimos o depoimento de Marcos Terena, que relata suas dificuldades em relação à própria identidade. Terena quer estudar e se profissionalizar, mas, para tanto, precisa pedir sua emancipação e abdicar de sua condição indígena. “Não me vejo como cidadão brasileiro, mas como tutelado do estado”, ele afirma. No aparente “descompasso” entre o que se vê e o que se ouve, Cidadão jatobá também apresenta inovações ao formato documental.

Cada um a seu modo, No rio das amazonas e Cidadão jatobá discutem questões fundamentais que estão ausentes da mídia e do cotidiano de um Brasil urbanizado, e que tem tanta dificuldade de olhar para si e compreender sua infinita complexidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário